Na próxima quarta-feira (13) será retomado o julgamento do Tema 1079 perante 1ª Seção do STJ. Para contextualizar o leitor, a questão submetida a julgamento definirá se o limite de 20 salários-mínimos é aplicável à apuração da base de cálculo de “contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros”, nos termos do art. 4º da Lei 6.950/1981, com as alterações promovidas em seu texto pelos arts. 1º e 3º do Decreto-Lei 2.318/1986.
Vê-se, portanto, que a questão de mérito envolve legislações anteriores à Constituição Federal de 1988, ou seja, uma discussão sobre legislações, cuja existência é de mais de quatro décadas.
Dois foram os processos[1] que redundaram na afetação do assunto aos chamados “Recursos Repetitivos” (Recursos Representativos de Controvérsia – RCC), de modo que, o que for decidido neles, obrigará a Administração Pública e contribuintes ao seu inteiro cumprimento.
Quanto ao mérito do assunto, de 2008 a 2020, o STJ vinha o julgando em favor da tese dos contribuintes[2].
Em 18/12/2020, o assunto foi afetado à 1ª Seção, como “Repetitivos”, gerando o Tema 1079.
Em 25/10/ 2023, sobreveio o voto da ministra relatora Regina Helena Costa, dando ganho de causa ao Erário e modulou os efeitos da decisão para atingir as empresas que ingressaram com ação ou pedido administrativo até a data do julgamento, obtendo pronunciamento judicial ou administrativo favorável.
Na oportunidade, pediu vistas, o ministro Mauro Campbell, o qual, em 13/12/2023 (última sessão do ano), trouxe longo voto, indo ao encontro do voto da e. Relatora, porém, ainda mais em desfavor dos contribuintes, pois quanto ao mérito entendeu que o limite não se aplica apenas às entidades do Sistema S, mas também ao Incra, salário-educação, Diretoria de Portos e Costas (DPC), Agência de Promoção de Exportações do Brasil (Apex) e Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), e quanto à modulação, entendeu inaplicável, o que na sua visão só seria possível se houvesse entendimento anterior pacificado.
Após esta brevíssima explicação, com a retomada do julgamento, outros quatro ministros terão que votar e enfrentar o assunto no tocante ao mérito e a modulação.
Muito já se discutiu sobre o mérito, independentemente das razões do fisco e do contribuinte – e da posição dos autores, favoráveis à tese dos contribuintes[3] –, o presente escrito se dedicará à modulação dos efeitos, ou seja, a mudança de entendimento sobre o tema/mérito (overruling) e seu efeito no tempo (modulação), frente ao que dispõe o artigo 932, do CPC[4] e a Súmula 568/STJ[5], e aqui, portanto, haveria mais um overruling (da Súmula 568).
Explica-se.
A Súmula 568 foi aprovada pela Corte Especial do STJ em 16/03/2016, e em 17/03/2016, foi publicada. À época, vigorava o CPC/1973, cuja redação do artigo 557, permitia o julgamento monocrático pelo relator, diante de jurisprudência dominante.
Em 18/03/2016 entrou em vigor o CPC 2015, o qual abandonou a expressão jurisprudência dominante e trouxe um rol taxativo e com critérios objetivos, autorizando os relatores, de forma monocrática, negar ou dar provimento a recursos. Uma nítida contenção do legislador ao aumento de decisões singulares.
Tanto o artigo 932, do CPC, quanto à Súmula 568/STJ, continuam em vigor e com entendimento dominante em suas aplicações, sendo a própria cronologia de julgamentos do aludido Tema algo que se autoexplica.
O cenário de como se encontra o julgamento do Tema 1079 é de overruling quanto ao mérito e de overruling quanto à modulação (alteração prática da Súmula 568/STJ e seus efeitos no Tema 1079), algo a ser repensado pelos Ministros, inclusive, do ponto de vista social e econômico, além da segurança jurídica e proteção da confiança[6], por exemplo.
De um lado, o Erário defende que o Sistema S ruiria, mas de outro, bom se diga, que uma decisão sem uma contextualização necessária, trará menos manutenções de empregos e retrações à novas contratações, aSnal, trata-se de exação que grava a folha de pagamento. O contribuinte necessita de previsibilidade para desenvolver suas atividades.
Portanto, é preciso um equilíbrio. De 2008 (data do primeiro julgado) até 2020 (ano da afetação do Tema), passaram-se 12 anos e com estabilidade da jurisprudência do STJ, favorável, repita-se à tese dos contribuintes. De certo que os ministros terão esta sensibilidade. Não é razoável fazer com que o contribuinte arque com um ônus, cujos precedentes não lhes era contra.
O fato é que o Tema 1079/STJ obteve decisões de Turma (colegiado) e monocráticas que se basearam em decisão colegiada, o que gerou uma recepção de boa-fé e confiança dos contribuintes[7], aSnal, a Corte Superior que trata de questões infraconstitucionais, disse que a tese do contribuinte era a vitoriosa.
Se a Súmula 568/STJ não pode ser utilizada de forma cruzada pelos ministros em decisões monocráticas, conforme ressaltou o ministro Mauro Campbell em seu voto-vista, com todo o respeito, não pode agora o contribuinte obter uma modulação de efeitos que lhe atinja a segurança jurídica, a estabilidade da jurisprudência, sua confiança nas manifestações do STJ[8], os efeitos econômicos e sociais do eventual overruling (mérito) e do overruling (da Súmula 568).
Ao modular, o STF, modula muito antes do STJ, e lá, os critérios são os mais variados, com prevalência de modulações para o futuro (Temas 745 e 1093 e ADC 49). Já no Tema 69, modulou para a data do julgamento.
A propósito, no dia 28/02/2024, foi publicado o acórdão do Tema 1.125[9], da 1ª Seção do STJ (mesma que julga o Tema 1079), no qual se decidiu sobre a exclusão do ICMS-ST da base de cálculo das contribuições do PIS/Cofins[10]. Decidiu 1ª Seção do STJ que o marco temporal para este caso foi a publicação da ata de julgamento no Diário da Justiça eletrônico – Dje 14/12/2023, exceto nos casos em que havia ação ajuizada ou procedimento administrativo discutindo o tema.
Diante dos precedentes que cercam o Tema 1079, é coerente, razoável, proporcional e justo que a modulação tenha como marco temporal, a publicação da ata de julgamento no DJe (Tema 1.125), ou no mínimo, a data do início do julgamento (25/10/2023).
Não seria crível um overruling de mérito com um overruling da Súmula 568/STJ, e também não se pode aceitar no Tema 1079, o adágio popular: na briga entre o mar e o rochedo, é o marisco que apanha.
[1] REsp. 1.898.532/CE e REsp. 1.905.870/PR, afetados em 18/12/2020.
[2] REsp. 953.742/SC, 1ª Turma, Rel. José Delgado, 2008 (decisão colegiada); REsp. 1.241.262/SC, 2ª Turma, Rel. Assusete Magalhães, 2017 (decisão colegiada); REsp. 1.439.511/SC, 2ª Turma, Rel. Herman Benjamin, 2014 (decisão monocrática); REsp. 1.570.980/SP, 1ª Turma, Rel. Napoleão Nunes, 2019 (decisão monocrática) e REsp. 1.825.326/SC, 2ª Turma, 2019 (decisão monocrática). Núcleo da tese é de o Decreto-lei 2.318/86 teria revogado apenas o caput do art. 4º da Lei 6.950/81, o qual disciplinava o recolhimento das contribuições devidas diretamente à Previdência Social, permanecendo vigente, o seu respectivo parágrafo único, destinado a regulamentar as contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros.
[3] Seja pelas razões já fartamente expostas nos respectivos processos; seja pelas razões levadas à tribuna pelo Prof. Fernando Facury Scaff, em sua sustentação oral, dia 25/10/2023; seja pelos precedentes do STJ que, sem dúvida alguma trouxe uma recepção de boa-fé dos contribuintes.
[4] Art. 932. Incumbe ao relator: IV – negar provimento a recurso que for contrário a:
1. a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
2. b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
3. c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência.
V – depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:
1. a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
2. b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
3. c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência.
VIII – exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal.
Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.
[5] Súmula 568. O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema.
[6] Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
- 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.
[7] No REsp. 1.632.479/RJ, a 2ª Turma do STJ, disse à unanimidade: Efetivamente, em obediência aos princípios da segurança jurídica e da confiança, a modulação de efeitos o foi criada como forma de preservar o jurisdicionado da instabilidade decisória dos tribunais, permitindo que se dê maior durabilidade ao posicionamento jurisprudencial anterior pacificado, ainda que não haja coisa julgada, evitando maiores surpresas ao jurisdicionado que, fiando-se no entendimento até então vigente, adotou comportamento com ele condizente.
[8] Disse o Min. Herman Benjamin, no EREsp. 738.689/PR: … se é dever do Judiciário traduzir da melhor forma possível a aplicação da legislação, sem preocupação com o status dos precedentes afetados, também compete-lhe evitar que o jurisdicionado, por conta de uma instabilidade causada pelo próprio Judiciário, venha a ser condenado à incerteza, tanto mais quando as idas-e-vindas jurisprudenciais afetem não interesses de uns poucos ou de dezenas, mas de centenas ou mesmo de milhares de sujeitos.
[9] Tema 1.125: O ICMS-ST não compõe a base de cálculo da Contribuição ao PIS e da COFINS devidas pelo contribuinte substituído no regime de substituição tributária progressiva.
[10] REsp. 1.896.678 e REsp. 1.958.265.
Autores:
ANDRÉ HENRIQUE LEMOS – Advogado, professor e palestrante. Ex-conselheiro do Carf e do TATSC. Diretor de Comunicação no Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial (IBDEE). Presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB-SC
LUIZ HERMETO BERNARDES – Advogado. Gerente Jurídico do Grupo AG Capital. Atua há 10 anos com planejamento tributário de empresas de pequeno, médio e grande porte
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